18 julho 2005

Ressaca Moral, e outras.

Quem conhece Machado há de ter no inconsciente algum resquício do capítulo XXXII do Dom Casmurro, o que lhe deu idéia a feição de Capitu, da poeticidade de seus olhos.
Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.

Mas essa é outra, não a minha: olhos ligados a grude, azedume à lingua, hálito ainda vencido, de quem se entrega porque nem guerra há. A ressaca de Capitu é dos mares, do fluxo-refluxo constante, o recuo quando da tentativa de apreendê-lo e o avanço que nos engole como a um obstáculo menor. Os olhos de Capitu são versáteis, tenhamos pena de Bentinho, que de temor ao par negro de sua amada afogou-se à primeira investida fragorosa de um mar já agitado; já estava na de Mata-Cavalos a Capitu da praia da Glória, o que mudou foi a areia, e quem nela se refugiava, como Dom Casmurro e nós, seus leitores. Machado não, este, pela lógica dos níveis subira numa árvore de Porfírio e entre os galhos nenhum sinal de vida. Tenhamos pena de Bentinho, repito, mas não o desculpemos. Não era imbecil, tampouco amalucado - "o amor é o maior dos vícios" (Pequeno Tratado dos Grandes Vícios).

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