Verborragia.
A vida da máquina por um fio. A vida da moça por um tubo.
Ela, franzina, cheia de vírgulas e curvas. Curva, assim como a vida e pontos finais. Um isto a mais e pronto. Outrora ousada. Mestre, talentosíssima, jovem, estilosa (na escrita e na lida obviamente). Hoje, aí, por aí adornos pelos cobertores, pelos calafrios, por suas constantes... as dores de cabeça, os vômitos sem substância, as infernais ânsias, o gosto amargo de éter, de enxofre.
E os DELÍRIOS.
Sem elucubrações muito metafísicas. Muito não. Nada de Tomás de Aquino. Nada de Jean-Paul Sartre. Nada de nada. Delírios quase humanos, quase comuns, quase com razão, mas desarrazoada a menina, ela, franzina, entre as vírgulas de sua imaginação fértil e a experiência imediata, divina, tal qual a trancendência, mas sem isso de grande metafísica; tal qual o amor, a sua pieguice, a preguiça do casal à luz do dia. As invejas brancas negras de inveja.
Delírios numa cama bem-posta, como um sonho sempre insensível e nunca abscôndido, toda a cama em sua arrumação costumeira, as enfermeiras sem trabalho em qualquer aí, ABSOLUTAMENTE.
Tudo, exceto os vômitos, as vazantes, os cobertores sujos; o corpo da menina quase não mais próprio a sua vontade – interna, vontade do fundo de si, pois por fora apenas angústia, nolição, ato desatado, um hirto teso, a verticalidade numa cama: sangue mas carne, ossos.
A vida da moça, a vida da máquina. Uma entubada à outra, ambas necessitadas de qualquer digestão, de qualquer respiração verdadeira. Todo o socorro possível, medicamentos, tratamentos, exames, receitas, lista de hospitais, pista de curandeiro, semente de Oxalá, oferenda pra Ogum, encruzilhadas, injeções, fé, muita fé de muitos, promessas, promessas que numa vida pouca e parca dificilmente. Embora nada disso... e nada de qualquer outra coisa, de qualquer possibilidade.
Seus últimos momentos, a morte ali por perto, o restante de si, que porcamente ser-ente est; tanto tempo nesse mundo, dessa gente sem valor, e tão menos que um ISSO pra guria curva e vírgula, a seguir, já-já, seu ponto final, o pôr e o nascer, ambos crepúsculos, ambos iguais. À ruina: o termo.
Ninguém em sã consciência – e mesmo alguém em contrário, contrariado com o rumo da própria vida, ainda assim a existência, isso da qualidade tocante a um simpes pôr de sol. Ao nascimento também, porque unicamente dos astros o movimento, dos seres este ser sacramental, o sacrilégio do ser, sua estaticidade essencial. Mas à grandiosidade destas manifestações, todas essas, do sol e dos seres, sucumbição, soçobração, tudo sem poréns. Seu olhar seu sempre novo a cada dia, quase anodinia, indiferente como o sol, olhar perdido na realidade louca, assim de olhos estufados, eles, dela, imensos, tãomente que as horas para a comoção pequenas, e não mais do que em repouso, virgem.
A vida. Ávida.
Exceto a poesia. A poesia de nós mesmos, e dela.. Por Carlos Drummond de Andrade: De qualquer tempo o tempo. A mesma hora da morte a hora do nascer. De nenhum tempo o tempo bastante para a ciência do reviver. Tempo contratempo, o mesmo em contrariedade, mas o sonho imensurável deste seu viver.
Morte, vida, veracidade e severinos. O rio debalde, e ondas do rio pro marzão, anônimas e seguidas elas, como o sol de todo dia, que de nome talvez menina, somente franzina e só, anônima como vírgula e Maria, ela, como as ondas no eletrocardiograma – as mesmas dessa nossa lida. Vida pequena, deveras, igual a si: Maria, um e cinquenta de pequeneza, hora do almoço, e que coicidência!, a injeção direto na veia, sem fome ou forças para.
Isso de delírios e verbos, de ideais e novas vidas, por conta a perpetuação humana, o concebimento de novos seres através da seleção natural. Mais que isso a própria natureza. Essência.
Nada de filhos, não por escolha própria, talvez em pensamento essa vontade ou em imaginação uma barriga cheia, repleta e empanturrada de vida. A mão cá na barriga e vislumbres, delirios novos frente ao espelho (mas qual espelho?). Sonho seu.
Não da maneira de Werther, de Hamlet, de Pátroclo. Ou mesmo como Severinos e Riobaldos, ela, Maria, de modos somente dela só. Ninguém por si, a solidão apenas, o solipcismo extremo.
A vida da máquina novamente por um fio. A vida da moça nem por um tubo.
3 comentários:
Maria é tão somente um nome nessa sua estória?
Ou ela tem nome e uma história?
Gostaria de saber.
Beijos.
Escolhi Maria para fazer par com João. Infelizmente eles pouco se encontram.
A história dela pode ser qualquer uma, porque, sendo apenas um nome, digamos q é apenas um molde, porque pessoas tem nome.
Acho q é isso.
um insulto por ser tão.
e tanto.
a vida reta da moça, só com o desligar dos aparelhos, quando da falencia multipla dos orgaos. e o eletrocardiograma assim:
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