08 outubro 2006

Caetano fala demais; perguntas demais...

Vomitava o mundo inteiro, ele. Depois teria de comê-los, o mundo e suas próprias idiotices. Falastrão. Ocupava o mundo, as vozes, idéias, sentidos, ocupava cada espaço das conversas, e mesmo que os outros ainda vez ou outra pronunciassem algo, era apenas como o recheio daquela gosma que fora ruminada por horas a fio e se encontrava em estado decomposto à vista de todos, cheirando podre como se cada palavra nos acometesse um enjoo e nos obrigasse a vomitar também. Mas não. Ele tapava nossas bocas, nos viraria pelo avesso, duvidaria, duvidaria, e duvidar foi seu maior dom. Não que fosse cético. Duvidava e desconhecia que sua dúvida era assim um ato falho, algo que se lhe mostrava por inteiro, que ocasionava seu próprio vômito. Depois teria de ingerí-lo novamente, toda aquela plasma em que o mundo se tornara. Contradição. Pensava que sua lógica de merda desse conta. X não mais que Y, Verde não mais que branca, a neve.
O grande mal (paradoxo) de se falar muito é que a maioria dos enunciados são ou se tornam falsos, mesmo não sendo falsos cada um por si, o todo os adultera. Além disso, quem muito fala pouco diz, assim como quem muito enxerga pouco vê. Quem muito fala, sobretudo, pouco diz de si mesmo, embora o assunto preferido de sua lorota seja exatamente o si mesmo. Falara demais, de si, do menos e do mais de si, de nós todos e por fim de mim. Não saberia suportá-lo. Chutaria tudo, aquele mundinho patético em que eu me encontrava, o seu, chutaria o rabo dos cidadãos de bem, do meu chefe, da minha mãe. Não saberia suportar a dúvida com que ele me tem. Olha-me como se a cada momento eu fosse capaz de chutar tudo, logo eu que nenhuma ou pouca coisa represento nesse laçamal, tão equivocado e sem coragens. Eu me levanto então e faço aquele movimento do artilheiro antes do gol, ergo logo sumariamente o pé direito, arrebito-me transversalmente, impulsiono e. Zás. E zás. Ergo logo sou. Se não chuto, faço como quem chuta, sendo que a dúvida enche-me de coragem, de satisfação. Ele reclamando de minhas ameaças, eu, de suas dúvidas. Penso no X, no Y, e não saberia pensá-los indistintamente. Mediante o quê, tudo rodava como se fora ressaca, como se a vertigem de estar ali me atordoasse e eu preferisse sumir, deixá-los a sós com o falastrão, deixar que ele lhes contasse toda a sua verdade escondida. Contudo, ele não poderia fazê-lo, pois a dúvida era seu maior ato falho, inconsciente. Duvidava de mim, de todos esses anos, e continuaria duvidando se fossem séculos. Eu nunca diria isso. Minha covardia. Eu nunca fui de dizer nada cru, nunca gostei dessa moda japonesa, da moda, dessa, de gostar, do nunca, de nada que cheirasse vômito. Cru.

Um comentário:

Stener disse...

"mucosa roxa, peito cor de rola...". Esse disco tá foda. Caetano prega peças... muitas... mas seja como for... "Cê" é mais uma das suas surpresas...