02 julho 2006

Ainda sobre o Precaucionismo

Diferente do estóico, cujo ideal do sábio é a ataraxia, a imperturbabilidade, a moderação e o equilíbrio dos prazeres de corpo e alma, a tranquilidade serena, ao contrário do estóico, o Precaucionista não tem de ser impassível à dor e aos infortúneos, não tem essa obrigação moral. Ele substitui o dever pelo poder, a obrigação pela possibilidade. Jogar com as possibilidade: eis o primeiro passo do Precaucionista. Brincar, esbaldar-se até o cansaço, até que seus pensamentos o sosseguem. A “vantagem” do Precaucionista não se diferencia muito da historieta infantil contada no meio do jogo para benefício próprio e/ou prejuízo de seu adversário. O lucro é como o riso disfarçado que um blefe pode trazer.

Para além de “situações-limite” de cunho ético, o cálculo precaucionista é também lógico. Vamos chamá-lo de “lógico-pragmático”. Acredito que o homem cordial de Sérgio Buarque é o antimodelo para o Precaucionista[1]. O inconsciente certamente é uma entidade dispensável na meta-teoria precaucionista, apesar de ser de extremo valor na composição de um cálculo qualquer que exija uma ‘causa’ obscura e enigmática.

Vamos aos exemplos, porque apenas de teoria não se enche um post. “Como se precaver diante de um jogo de quartas de final?” ou mais especificamente: “Como agir em relação à derrota contra a França?” O Sr. Stener se esquece que o “coelho retirado da cartola” pode ser, dependendo do estado do Precaucionista, de sua situação no jogo, o próprio sofrimento. Isto o distancia novamente do estóico, porque a masoquismo é uma escolha, uma possibilidade, não um dever. Entre as possibilidades do Precaucionista está a vivência crua dos fatos, por mais arriscada que ela pareça, e esse risco conta como uma “variável de ganho”, ou seja, quanto mais arriscada a aposta, maiores são os benefícios. Se eu dissesse que a solução precaucionista sempre é se abster à vida, dar um “jeitinho cordial”, então minha tese seria no mínimo incoerente. Se eu dissesse o contrário, que sempre é viver o sofrimento, deixar-se levar como um boi seguindo a boiada, então minha tese seria no mínimo trivial. O Precaucionista não sofre quando o risco de não viver é menor que as possibilidades de ganho. E alguém poderia me perguntar: “que diabos você ganha em sofrer a derrota?” e “que diabos você ganha em não viver?” A segunda pergunta não tem resposta, ou melhor, é uma pergunta mal-formulada. Por mais ágil, esperto e Precaucionista, eu não posso deixar de viver. O que posso fazer é agir numa situação-limite (e não o tempo todo) da melhor maneira.

Ninguém é precaucionista o tempo todo, assim como a felicidade de uma criança não está em ganhar o tempo todo. Isso seria tédio e não alegria. Como brasileiro, acostumei-me às vitórias, assisti três finais consecutivas, quantas conquistas, quantos brindes, quantos bolões, quantos sorrisos e quantas folgas no trabalho!!! Ganhar novamente, na minha mais que sincera opinião, seria tedioso. Seria, sobretudo, uma alegria estóica, chata. Além disso, posso dizer que em termos históricos chegou a hora de retribuir à Terrinha Lusitana todo cuidado e atenção que dispensaram conosco. Não seríamos precaucionistas sem os portugueses. Não seríamos brasileiros sem os portugueses. Meu coração a partir de hoje é lusitano. Com isso eu respondo também a primeira pergunta. Com isso essa terra cumpre seu ideal. Haja coração, haja coração...



[1] Bom, seria interessante enveredar-me por este caminho e mostrar essa diferença, mas perderia meu foco facilmente. Prometo pensar a respeito. Se alguém quiser pensar por mim, desde já agradeço.

2 comentários:

Stener disse...

Ainda um pouco relutante, eu vou pensar a respeito da ética e da moral no precaucionismo (já adiantando que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa). Também levarei em conta essa aproximação com o estóico. Mas o melhor é ver você escrever:"Ganhar novamente, na minha mais que sincera opinião, seria tedioso. Seria, sobretudo, uma alegria estóica, chata." Minha experiência me diz que algumas pessoas mudam rapidamente de opnião (rs).

Stener disse...

Esqueci de dizer que o "masoquismo", de tudo o que foi dito, realmente pode ser. É possível. Melhor dizendo, ninguém pode negar que podemos optar pelo "prazer através do sofrimento". Muito bom. Na verdade, muito esclarecedor.