Media exatamente a metade do dobro de si. Fugia pela parte que não fresta da janela, tomava o ar do copo já vazio, respirava o cheiro de vinho seco que molhava o tapete de retalhos. Era menos tapete que retalhos e vice-versa. Coloria o invisível com a cor de seu pensamento, como se fosse outro, não você, porque você não é o outro, mas ele, como se fosse ele mesmo e um pouco mais da metade do dobro de si colorido com as cores de seu pensamento, seu corpo em cores de corpo, as unhas transparentes mas roséas, sujas na pontinha que se corta com alicate ou cortador de unha. Só a ponta da unha cresce, o fio de cabelo, só a fruta amadurece, a árvore envelhece e a cada ano deixa cair suas folhas amareladas. Ele, o outro, que media a metade do dobro de si, tentava inutilmente subir, inutilmente porque subir é uma palavradoxo,
sub
ir
como se descesse, como se fosse possível o próprio corpo sair pela cabeça como o fazem os cabelos, e as unhas pelos pés e pelas mãos, porque só as pontas crescem.
O presente do passado que não muda[1], desmuda, desmundo, tempo contratempo, a saída de quem assiste a própria fuga, de quem refaz os próprios passos, de cor e ainda observa-se pelo avesso errado, pelo olho de quem dorme, por puro prazer
estético.
Sem se cansar ele corre atrás da tartaruga como aquiles, como o velho que mata a criança dentro de si, suicida-a gramaticalmente, palatino. Corre por um caminho sem saída sem encontrar fim, nalguma lonjura infindável, nostálgica e futura, sem saber que o fim está em si mesmo, em encontrar-se, no segundo ínfimo, in. orrer.
[1] Se não houvesse tempo, se ele não passase como acreditamos, então a maioria dos paradoxos se extinguiria. Sem tempo, não teríamos a paciência necessária para pensá-los, ficariamos presos à margem do que se passou, tampouco retornaríamos para reescrever nossa própria sentença, condenados ao tempo.
Um comentário:
Muito bom.
Gosto quando o paradoxo vira unidualidade.
Postar um comentário