02 janeiro 2007

quinta estorieta número 1 da Medicina paradoxal

Ressabiado de nada saber, o estômago queixou-se de sua boca porque esta nada lhe tinha a dizer. Então a boca do estômago, ressabiada de nada dizer, respondeu em tom de peido:

- Ora, ora, meu querido estômago, de cujo estômago (você inteira) eu sou apenas a boca, não falo mais do que nada porque sempre estou a comer. E não é possível falar e comer ao mesmo tempo, embora seja possível digerir e falar ao mesmo tempo, assim como não é possível assobiar e chupar manga, a menos que se tenha duas bocas.

- Mas se tivesse duas bocas, teria duas cabeças e quatro braços e pernas e dois estômagos e duas bocas de estômago.

- No fundo seriam duas pessoas diferentes, a não ser que nascessem grudados do pescoço para baixo. Neste caso seriam mais que irmãos gêmeos univitelinos. Cada um teria apenas um braço por direito, mas talvez o primeiro que pensasse em usá-lo tivesse direito de fato sobre ele, o chamado direito personalíssimo; o que nos coloca o paradoxo sobre o direito pessoal, aquele que permite exigir que o outro aja de determinada forma, porque o direito ao corpo não é mais do que a capacidade de usá-lo e a capacidade de usá-lo não se refere bilateralmente no caso destes pobres seres que nascem sem direito à solidão.

- E se quisessem brigar? Quem bateria em quem, se é que não estariam batendo em si mesmos no caso de não acertarem a cabeça?

- Difícil responder. Difícil pensar numa situação dessas sem imaginar que eles não teriam algumas regras bastante determinadas sobre o que se pode e o que não se deve fazer. Quanto menos liberdade, mais regras, assim como quanto mais axiomas, pior a teoria. Afinal de contas, a liberdade deveria ser uma questão de teoria e não de ética.

- Falando nisso, já imaginou uma situação na qual tivessem filhos? Neste caso, não se poderia afirmar com exatidão a paterinidade nem pedindo teste de DNA ao Ratinho.

- Exceto se pensarmos que a intenção de tê-lo interesse mais do que o ato de fazê-lo.

- Tem razão, mas este é um caso bem particular. Na maioria das vezes o gesto se sobrepõe à intenção, seja realizando-a, seja ocultando-a. Veja o nosso caso. Estamos tentando comer e falar ao mesmo tempo sem fazer barulho e sem que os outros percebam que fomos nós os autores deste PUM tão longo e absurdo.

- Surdo?

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